sábado, 23 de agosto de 2008

Contos de(s)amor

1.

Eles se viam quase todos os dias no ônibus, mas definitivamente não combinavam. Ele tinha um estilo clássico, certinho, burguês-católico tradicional. Ela transpirava liberdade. Não só pelos cabelos cacheados, longos e indomáveis, que dobravam o volume de sua figura, mas também pelas roupas moderninhas e o piercing. Ele carregava seus livros enquanto equilibrava os óculos de lentes finas sobre o nariz. Ela olhava displicente através da janela em busca das mudanças na paisagem urbana. Ele queria segurança e um bom emprego. Ela, aventuras.

Ele podia ser um pouco lento, mas não era tapado. E após vê-la no ônibus, na rua, no teatro e na praça, na universidade e até mesmo no caminho da Igreja, decidiu dar-lhe um oi. Ela ficou assustada, mas retribuiu o cumprimento, um pouco desconfiada. O que alguém como ele queria com ela?

Com o tempo, os ois viraram um hábito, quase um vício. Uma daquelas coisas repetitivas que nos ajudam a criar um vínculo com a realidade. Ele ansiava por enredar-se em seus cabelos volumosos. Queria queimar-se naquele olhar quente que ela tinha nos fins de tarde de primavera. Ela divertia-se em pensar no jeito desajeitado de andar daquele moço. O que esconderia por trás dos livros e da franja ensebada?

Muitas vezes pensaram em aproximar-se. E até tiveram oportunidades. Mas faltou-lhes um pouquinho mais de coragem.

A vida tratou de afastá-los, porque a vida, bem, a vida não está nem aí para estas brincadeiras.

Não trocaram uma única palavra. E amaram-se de um jeito estranho por muito tempo de suas vidas.

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