terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Lua cheia em dezembro

Dezembro começou com lua cheia, que lavava a rua com sua luz branca e quente. A claridade entrava pela persiana, pelos vidros entreabertos, e atingia a mulher que, sentada em um colchão, escrevia.

Tinha sido um dia quente, de prenúncios de chuvas, de decisões tardias, de pressões baixas. O frescor da noite e a luminosidade que agora entravam pela janela traziam uma força e um vigor que durante o dia ela não sentira.

A TV em frente trazia artistas e repórteres, em imagens chuviscadas. Ela lembra que Clarice Lispector também escrevia sentada, com sua máquina de escrever no colo. Ou era Lygia Fagundes Telles? Pouco importa. Gosta tanto das duas, mais da Lygia que da Clarice. Gostaria de escrever como elas, sabe que tem muito para expressar, mais ainda não descobriu como.

Olha no relógio. Agora sim, começou dezembro. Pensa em fazer uma prece, para que Deus abençoe o último mês do ano, o primeiro dos seus 24. Mas desiste. Pode ser que a faça isso antes de dormir. Mas, por enquanto, está sem sono.

Lembra das noites em que via a lua banhar as terras retas e infinitas de outros pagos, ansiosa por espiar espíritos guerreiros em seus cavalos, através das janelas do ônibus que ia. Naquela época viver significava ir, estar em constante movimento, fugindo, talvez. Lembra que naquela época ela evitava pensar no futuro. Talvez seja por isso que agora esteja aqui, sentada no chão e escrevendo.

Às vezes ela acha que tem dois corações e duas almas. E também dois destinos. E que ao escolher um, ela amordaça o outro, por que sempre sente a terrível sensação do dever não cumprido. Tem medo de que um dia não concretiza nem um, nem outro. E que os corações e almas padeçam e ela se torne um ser vegetativo. Mas mais que o medo ela tem a certeza que alguma coisa deve ser feita, e rápido. Ela tem esperanças, muitas, mil, assim como sonhos. Falta é colocar tudo isso em prática.

Ela sente que deixou alguma coisa para trás, e a lua que aparece pela janela tem a função de resgatar na memória que ela já foi muito diferente, muito feliz, e que ela tinha tanto, mais do que ela achava que não tinha. Hoje ela tem o que queria e engole o choro todo fim de tarde, quando o ocaso torna as coisas mais melancólicas.

Daqui cinco dias ela faz 24. Uma mulher, sem dúvida, mas que ainda vê o mundo como uma criança. Um dia lhe falaram que as coisas vão mudar nesse ano que se inicia. Para ela, ainda vai ser 2009. O tarô viu campos crescendo. Oportunidades. A vida volta a ser movimento.

Lembranças que a tranqüilizam. É melhor ir para a cama. Daqui cinco dias começa tudo de novo. Tudo lindo, dessa vez.

Ela espera que sim.